Saúde indígena: uma reflexão de uma Médica de Família pataxó

Dia 07 de fevereiro já não é mais uma simples data. Desde o dia 12 de junho de 2008 ganhou um novo sentido, pois foi instituída como o Dia Nacional da Luta dos Povos Indígenas em homenagem ao líder indígena Sepé Tiaraju, que lutou contra a dominação espanhola e portuguesa no Rio Grande do Sul de 1753 a 1756. Tornou-se momento de reflexão sobre nossas lutas, resistência e força.

Eu penso que não é uma data para comemorações, mas para repensar até onde chegamos e quais são os novos desafios que enfrentaremos. Esse dia também é um momento de trazer a memória todos os atores que de forma indireta ou diretamente deixaram suas sementes e nos inspiraram a seguir seus exemplos.

Desde a invasão dos Portugueses até os dias atuais enfrentamos diversos desafios, sendo que alguns, mesmo sendo garantidos por Lei, ainda deparam com entraves para que sejam concretizados na prática. Um desses grandes desafios é o direito à uma Atenção Diferenciada em Saúde. De acordo com a lei que defende tal direito nomeada como “Lei Arouca” e aprovada em 23 de setembro de 1836 que instituiu a Subsistema de Atenção à Saúde Indígena e as diretrizes básicas para a implantação de Distritos Sanitários Especiais ( DSEIs), é obrigatório considerar o contexto social e cultural e consequentemente, a cosmovisão dos nativos para prestação de um cuidado diferenciado em saúde.

Mas, em alguns cenários indígenas esse direito nunca saiu da teoria. E isso me faz pensar que existe uma ligação forte com a falta de conhecimento da realidade dos vários povos indígenas por partes dos diversos atores, desde o governo até alguns profissionais de saúde que trabalham dentro das comunidades.

Em 2019 enfrentamos um grande desafio, a municipalização da saúde indígena. De forma resumida, o Ministro da saúde defendia o repasse da responsabilidade da saúde indígena para o município como forma de diminuir gastos e alegando a existência de corrupção na SESAI. Através de um olhar rápido e pontual isso parece até “nobre”, mas lideranças não tinham sido convidadas para tal discussão e em nenhum momento suas opiniões foram levadas em conta. As várias lideranças indígenas concordavam plenamente da necessidade de se investigar possíveis corrupções dentro da SESAI,mas passar a responsabilidade para municípios sucateados estava longe de ser uma solução. Houve luta e resistência e conquista.

Hoje outros desafios surgem. Como forma de diminuir gastos direcionados para saúde indígena , está acontecendo redução relevante no quadro de funcionário. O que não tem sido levado em conta nessas atitudes é a realidade de cada povo. Existem povo com taxas enormes de mortalidade onde uma enfermeira no plantão noturno faz muita diferença. O que é um gasto a ser descartado pelo governo, pode valer a vida de uma criança indígena.

Algumas mudanças são indispensáveis para o melhor funcionamento da saúde indígena, porém elas não podem ocorrer de forma autoritária sem levar em consideração o que as lideranças têm a contribuir . Além disso, é de suma importância conhecer o contexto local para se pensar no que de fato precisa ser melhorado e quais os melhores caminhos a serem trilhados rumo a uma saúde indígena de qualidade.

Quer saber tudo sobre Atenção Primária à Saúde?

Assine nossa Newsletter!

Fale o que você pensa

O seu endereço de e-mail não será publicado.