Viva a Luta Antimanicomial!

Privilegiar o acompanhamento das pessoas com sofrimento mental em serviços de base comunitária, entendendo-os como cidadãos de direitos – Direito à liberdade, Direito a viver em sociedade.

Hoje rememoramos um dia de luta por um Sistema de Saúde acolhedor e inovador!

Hoje comemoramos histórias como da D. Juscelia… Acompanhe no blog!

Vejo D. Juscelia, 76 anos, quase todos os dias, poucos deles em consulta, mas sempre ao chegar pela manhã ou sair para o almoço, lá está ela, sobe morro e desce morro, sempre cheia de suas sacolas…

Já sei que cata latinhas, são para reciclagem, garantem um dinheirinho.

Sei que tem uma família grande, casa pequena, sempre cheia com netos indo e vindo da escola, um filho com esquizofrenia que recebe medicação em casa, aplicada pela equipe mensalmente, a ajuda a amassar as latinhas que deve vender, passa o dia entretido nessa tarefa.

Sei também que muitos a acham confusa, muitas vezes lhe faltam as palavras para falar o que precisa de nós como centro de saúde, outras conta longas histórias para justificar sua necessidade… Apesar disso, saúde boa, não usava medicação alguma.

Hoje me permiti demorar nessa visita, vim para avaliar o domicílio, uma vez que está para começar a sazonalidade da dengue, e a casinha muitas vezes refletia um pouco a confusão de sua dona, junto com a dificuldade de sua atividade, que realmente consiste em acumular latinhas, e muitas vezes outras quinquilharias achadas por D. Juscelia.

Verificação feita junto com os agentes de saúde e endemias, me permiti um dedo de prosa…

Juscelia descascava batatas para o almoço, fez questão de me mostrar a fruteira cheia (laranja, bananas) e a geladeira também. Só coisa boa. E me contou: “Pego tudo isso nos descartes de sacolão, segunda é atrás do supermercado x pego as verduras e frutas, terça vou no brechó da igreja – sempre tem roupa para os netos, quarta a noite já levo os potes para buscar o sopão do restaurante popular, quinta é leite e sexta tem legumes no supermercado y. Tudo coisa boa, e de graça!”

Estavam explicadas tantas sacolas! Confesso ter ficado surpresa com tanta organização…

A conversa me levou a perguntar sobre o filho… O dia a dia com ele… Ela contou que ele a ajudava com as latinhas, mas que às vezes não ficava bem, em geral passava a noite acordado e tinha dificuldade na retenção urinária, demandando dela um grande esforço para manter o quarto e o colchão limpos.

“Que dia a dia corrido”, pensei eu… “Quem diria que essa pessoa, a princípio tão confusa nas consultas, teria tanta capacidade de gerir e prover para sua casa…”

Perguntei sobre quem a havia ensinado a fazer tantas coisas, como aquela sopa cheirosa que cozinhava no fogão… E naquele momento, corriqueiro, veio o passado que ainda não tinha tido a oportunidade de ouvir dentro do consultório…

“Aprendi sozinha mesmo, na minha família todo mundo tem problema de cabeça. Minha mãe não conheci, meu pai foi internado no hospício novo… Deu uns surtos, não sei bem…”

“Eu mesma já surtei, não lembro direito, não gosto de pensar nisso… Só lembro que morava na rua, aí me pegaram e levaram para um internação, fiquei internada uns 10 anos em uma cidade do interior… Não era bom não, ficava presa, sem fazer nada… Cheia dos remédios… Aí um dia a prima do meu pai me achou lá e me buscou. Mas não gosto de falar disso não, bom mesmo é a liberdade”

Bom mesmo é a liberdade…

“ A palavra que mais gosto é liberdade. Gosto do som desta palavra” – Nise da Silveira

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