Sem acesso nada pode acontecer
Sabemos que a atenção primária é, e deve ser, o primeiro nível de atenção à saúde e a partir do qual toda a rede de saúde se organiza. O papel da atenção primária é fornecer atenção para as pessoas no decorrer do tempo, resolver os problemas de saúde mais comuns e organizar os fluxos dentro do sistema. Para que consiga cumprir essas importantes funções, alguns princípios, como bem descreveu Barbara Starfield, devem nortear o trabalho na atenção primária essencialmente: Primeiro Contato, Longitudinalidade (relação duradoura entre serviço e paciente); Integralidade (abordagem ajustada às necessidade de saúde) ; Coordenação (organização do cuidado); E de forma complementar: Centralidade na família (abordagem dirigida para família), Orientação comunitária (abordagem dirigida para comunidade) e competência cultural.
Naturalmente, todos eles são importantes. Sem um deles, a Atenção Primária ficará desfalcada. Mas qual deles é o mais importante? Se pudéssemos elencar essa valoração prioritária, qual deles elencaríamos como o principal? Eu não sei se foi essa a intenção da própria Barbara Starfield ao descrever, em seu livro, primeiramente o principio de Primeiro Contato, mas eu acredito que a ideia seja essa: sem o acesso nenhum outro pode ser cumprido. Sem que o paciente consiga acessar devidamente os serviços não há como cuidar dele ao longo do tempo, não é possível olhá-lo integralmente, não é possível avaliá-lo para além dos seus aspectos biológicos, não é possível abordar suas questões familiares e nem é possível abordar suas questões comunitárias. Ou seja, o acesso é, de certo modo, o principal princípio da atenção primária, sem o qual nenhum outro funciona efetivamente.
É o que dizem os próprios pacientes. No artigo “What Patient Want: A content Analysis of key qualities that influence patient satisfation”, por exemplo, é mostrado que o que os pacientes mais valorizam é o acesso.
Mas o que é o acesso? Os termos acesso e acessibilidade são usados de forma intercalada e, geralmente, ambígua. Mas é importante notarmos uma diferença. Millman, em 1993, definiu que acesso é uso oportuno de serviços de saúde. Já acessibilidade diz respeito ao aspecto estrutural para conseguir chegar e é apenas uma dimensão do acesso. Também estão conjugados na fórmula do acesso a Disponibilidade, a Comodidade, a Possibilidade de pagamento e a Aceitabilidade.
Acesso = Acessibilidade x Disponibilidade x Comodidade x Pagabilidade x Aceitabilidade
Note que propositalmente a fórmula é um produto e não meramente a soma de cada fator. Isso não é atoa, se uma desses fatores for nulo para o paciente, ele flagrantemente não terá acesso. E as coisas que concorrem para anular esses fatores são as ditas barreiras do acesso.
Veja essa imagem acima. Nesses termos, perceba que barreira geográficas diminuem ou mesmo anulam a dimensão acessibilidade; barreiras culturais diminuem ou mesmo anulam a dimensão da aceitabilidade; barreiras financeiras diminuem ou mesmo anulam dimensão da pagabilidade; o custo de oportunidade do paciente, se for alto, diminui ou anula a dimensão da comodidade; e a cobertura populacional e a carteira de serviços, se houver muita pressão assistencial ou uma carteira de serviços que não atende o paciente, assim como se houver desorganização do serviço, diminuem ou mesmo anulam a dimensão da disponibilidade.
Interessante não? É assim que o acesso é fechado, e as demandas são reprimidas, pois sem acesso, nada pode acontecer!
Graduação em medicina na UFMG. Residência em Medicina de Família e Comunidade pelo Hospital Odilon Behrens-BH. Especialização em Gestão em Saúde pela FGV. Mestrando em Saúde Pública pela UFMG. Professor convidado pela UFMG. Membro do Núcleo Docente Estruturante da Santa Casa-BH. Professor de PSBE e Habilidades Médicas na UniBH. Co-founder da Empresa Dexpertio Consultoria.
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